Por onde circulo, ouço histórias curiosas, a maioria indicando conflito. No Rio de Janeiro, as pessoas costumam falar alto, mesmo em público, seja no restaurante, na praia ou no ponto de ônibus. É uma cidade-galeria, onde todos, de alguma maneira, aprendem a exibir suas qualidades, defeitos ou simplesmente se expressam em alto e bom tom.
No café da minha rua, na primeira manhã deste outono hesitante, o pai se exalta e fala para o filho: “Você já está com 33 anos, já fez faculdade, mas não sai, não trabalha, não faz nada.” Eu me mexo na cadeira, constrangido, como se presenciasse uma cena íntima de família, para a qual fui involuntariamente convidado. O filho resmunga algo inaudível, ao que parece formulando uma desculpa e responsabilizando alguém por sua apatia. O pai continua: “Mas você não pode ficar igual a ela, senão é doente mental.” Não fica claro de quem ele está falando, ainda que a carga dramática aumente e ele se mostre disposto a descontar toda a raiva no rapaz. O moço, vestido de bermuda, camisa e tênis, aparenta menos idade do que tem. O pai, com alguma aura de seriedade e fúria por trás dos óculos, continua: “Eu nunca vi uma pessoa tão grossa.” Tento mudar de lugar, mas todas as cadeiras possíveis possibilitam a plena audição do sermão paterno. Uma moradora de rua entra silenciosamente e pede um café de cortesia e me surpreendo com a gentileza da garçonete ao dizer para ela esperar um pouco.
Outro dia, no elevador do prédio do dentista, algumas moças conversavam. Uma delas comenta o diagnóstico de câncer de uma terceira, dizendo que não sabe o que será quando começar a quimioterapia. Por um momento, penso que se trata de uma confidência dela mesma.
Falar de si em público por aqui não é um problema, ao contrário, é quase praxe: na extensa fila de outro elevador, dessa vez no shopping, outra mulher comenta sobre a possibilidade de ter esclerose, do certo otimismo do médico e do pragmatismo dela, que quer aproveitar a vida enquanto é tempo. Eis que o elevador fica no seu limite de lotação e uma senhora pergunta, enquanto abraça o neto: “Este elevador leva para a saída?” Mais rápido do que todos, um homem explica que eles já estavam ao lado da saída, no térreo, e que agora será necessário subir até o oitavo andar e descer novamente. A senhora se confessa perdida, que já zanzou muito com o neto. O homem que a elegeu como interlocutora lhe diz algumas palavras de conforto, não há com o que se preocupar: o térreo está próximo.
São exercícios de empatia que surgem a cada esquina, principalmente com as pessoas em situação de rua, que escasseiam um pouco com a chegada das chuvas, mas que logo voltam a seus postos quando o sol desponta na cidade. Uma dessas mulheres deixa seu collant na grade do imóvel abandonado do Rio Previdência, na rua Marquês de Abrantes. Por onde anda e qual história carrega não sei, mas o andrajo roto em frente ao prédio, dá a dimensão de seu drama e da força que a levou adiante. Haja energia para prosseguir na rua acidentada.