Os antigos seriados de TV aberta contavam uma história completa a cada episódio com início, meio e fim. Isso valia para “A Feiticeira” (1964), “Perdidos no Espaço” (1965) ou “As Panteras” (1976), ou seja, tanto para comédia, quanto para ficção científica ou para suspense. Hoje em dia, no entanto, as séries, que proliferam com a tecnologia digital na TV por assinatura e no sistema de distribuição do streaming, não costumam concluir num episódio toda a trama que está sendo apresentada. Uma parte vai sendo adicionada à outra livremente, e no final há apenas um gancho para o que vem depois. Produções como “Hacks” (2021) e “The Last of Us” (2023), ambos da HBO Max, exemplificam esse modelo, que talvez tenha a ver com a lógica da telenovela ou com as caraterísticas do próprio streaming, em que não há intervalos definidos. Mas nem sempre é assim. Algumas séries resgatam o espírito do seriado tradicional.
“Vera” (2011/Film&Arts) é uma série britânica de caráter procedural, ou seja, um caso autônomo é investigado e resolvido dentro de cada episódio, que tem aproximadamente 90 minutos, a duração de um longa-metragem. A série está em sua décima quarta temporada, o que revela sua grande aceitação pelo público, além de ser um sucesso de crítica. Vera Stanhope (Brenda Blethyn) lidera uma equipe de detetives de Northumberland, região no nordeste da Inglaterra. Ela é excêntrica, perspicaz e de uma dedicação quase obsessiva nas investigações de assassinato. A refinada compreensão da natureza humana dá o caráter da personagem. A série, baseada nos romances de Ann Cleeves, funciona mesmo por conta do extraordinário talento de Brenda, celebrizada por sua atuação em “Segredos e Mentiras (1996), do diretor Mike Leigh.
Baseada no livro “The Never Game”, de Jeffery Deaver, a série “O Rastreador” (2024/Disney+) apresenta a saga de Colter Shaw (Justin Hartley, de “This is Us”), um investigador profissional que vive de recompensas. Ele viaja sozinho pelos EUA em seu trailer e, com habilidades excepcionais de sobrevivência, ajuda cidadãos e autoridades a resolver mistérios de toda ordem, como localização de desaparecidos ou resgates. A fórmula da série não poderia ser mais simples: um herói carismático desvenda um caso por episódio. Além disso, o público acompanha Colter em suas buscas em meio a belas paisagens estadunidenses.
Versão da francesa “HPI – Haut Potentiel Intellectuel”, a série “Uma Mente Excepcional” (2024/Disney+) combina drama e comédia para desvendar um crime por episódio. A protagonista Morgan Gillory (interpretada por Kaitlin Olson) é uma faxineira com QI de 160 e extraordinária capacidade para resolver problemas aparentemente insolúveis. O acaso faz com que ela seja descoberta pelo Departamento de Polícia de Los Angeles e passe a atuar como consultora dos investigadores da divisão de crimes graves. O humor entra pela excentricidade de Morgan, cujo visual é chamativo e sexy. A série talvez ainda não tenha encontrado seu tom, já que os roteiros parecem um pouco simplórios, mas o charme de Kaitlin é incontestável.
Desde Agatha Christie passando por “Lei & Ordem” (1990-2024/Universal+), nada melhor do que uma história de mistério com detetive honesto e trama complexa. Podem dizer que é mera fixação em policiais leves, mas é difícil encontrar entretenimento mais saboroso, sobretudo quando a investigação vem completa em um só episódio. Além disso, séries com casos autônomos são as mais cômodas, pois você pode começar a vê-las de onde quiser.