O compositor e letrista estadunidense Cole Albert Porter (1891-1964) foi um dos artistas mais celebrados do século XX. É frequentemente comparado a outros gênios de sua época, como George Gershwin (1898-1937) ou Irving Berlin (1888-1989). Embora tenha optado pelo cancioneiro popular, na Broadway ou em Hollywood, contava com um talento e uma técnica dignos de um músico erudito. Não surpreende então que suas canções sejam atualmente incluídas no repertório clássico. Além disso, sua carreira no cinema foi marcada por sucessos desde “I’ve Got You Under My Skin”, composta para “Nasci para Dançar” (1936).
Cole Porter conheceu o privilégio desde o berço, mas veio a enfrentar sérios desafios na idade adulta. Rico herdeiro, viveu no luxo e na comodidade nos Estados Unidos e na Europa. Em 1919, casou-se com Linda Lee Thomas (1883-1954), igualmente milionária. Foi uma união mutuamente vantajosa. Ele ganhou uma cobertura de respeitabilidade para sua homossexualidade, ela conquistou status social e um companheiro para a vida inteira. Em 1937, no entanto, a vida se tornou bem mais difícil para Porter. Durante um passeio a cavalo, este se assustou e caiu sobre as pernas do artista, que foram esmagadas. Daí em diante, passou da vida social intensa à reclusão. Depois de dezenas de cirurgias e enfrentando dor crônica cada vez mais intensa, Cole Porter teve sua perna direita amputada em 1958, o que encerrou a carreira do compositor.
O cinema, porém, esteve mais presente na vida de Cole Porter justamente no período que sucedeu seu acidente. Para “Melodia da Broadway de 1940”, compôs “Begin the Beguine” e “I Concentrate on You”. “O Pirata” (1948) teve a canção “You Can Do No Wrong”, na voz de Judy Garland. Marlene Dietrich cantou a sua “The Laziest Gal in Town” em “Pavor nos Bastidores” (1950). E houve ainda o grande sucesso da trilha sonora de “Alta Sociedade” (1956): “True Love”, em dueto de Grace Kelly e Bing Crosby.
Cole Porter também brilhou em Hollywood como personagem. Dois famosos filmes foram feitos sobre ele. O primeiro foi “Canção Inesquecível” (1946), dirigido por Michael Curtiz. Porter, vivido por Cary Grant, é retratado da juventude à maturidade, o que inclui o auge de sua carreira na Broadway e em Hollywood, mas também o acidente que mudou radicalmente sua vida. O filme é além de tudo uma oportunidade para retomar algumas das canções mais famosas do compositor, como “Night and Day” e “You’re the Top”. A esposa Linda Lee Thomas é interpretada por Alexis Smith. Produzido durante a vigência do Código Hays, conjunto de diretrizes de censura em Hollywood, o filme nem passa perto de abordar a homossexualidade de Porter. O centro das atenções é o supostamente idílico casamento do compositor em tom de drama musical romântico. O final é feliz, mas paradoxalmente, no último plano do filme, Cary Grant está desolado. É de cortar o coração.
Já a cinebiografia musical “De-Lovely – Vida e Amores de Cole Porter” (2004/canal MGM+), dirigida por Irwin Winkler e com roteiro de Jay Cocks, traz a história do compositor para o século XXI. Nela, se a homossexualidade de Porter não é explicitada, há pelo menos uma insinuação sutil. De qualquer forma, o foco é novamente o casal Cole (Kevin Kline) e Linda (Ashley Judd). Fica evidente a importância decisiva da esposa para o ânimo e para trabalho do compositor. Pontuado por canções, o filme é como uma crônica de um amor não necessariamente romântico, mas marcado sobretudo pela amizade e pelo companheirismo.
Cole Porter viveu quase dez anos sem Linda Lee Thomas. A expressão sombria de Cary
Grant ao final de “Canção Inesquecível” faz pensar numa antevisão fílmica de um
futuro que vai se tornando cada vez mais melancólico. E, no entanto, o compositor
deixou como legado muita alegria de viver em suas canções. Afinal, foi ele mesmo que
disse: “Sou a pessoa mais entusiasmada do mundo, amo tudo que é diferente”.