Li pela primeira vez o poema “Uma arte”, de Elizabeth Bishop, em meados dos anos 1990, com tradução do poeta Horácio Costa, e fiquei fortemente impactado. O primeiro verso (“A arte de perder não tarda aprender”) ficou soando na minha memória como um desafio para o que o poema propõe, um exercício estóico de aceitação diante da ausência inevitável de alguém que se foi.
Ao que consta, o poema foi escrito por Bishop depois de ter perdido de forma trágica a ex-companheira Lotta de Macedo Soares, em 1967, em Nova York, onde tinha ido visitá-la. Já não era possível voltar aos dias de felicidade que tinham vivido no Rio de Janeiro e em Petrópolis.
Pouco tempo depois usei um trecho do poema na epígrafe do meu primeiro livro de poemas, “Águas desnecessárias” (1997), publicado a partir do mote do luto materno.
“Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.”
À maneira de uma canção, o poema virou um marco desse período de desorientação, negação e posterior aceitação.
Poucos anos depois, ganhou popularidade uma outra tradução do poema, desta vez de Paulo Henriques Britto, que de algum modo traz novos elementos para o tom original de Bishop. Traduzir/ trair ocupam o mesmo território, já nos disse Haroldo de Campos.
Como não reler o poema hoje e não pensar no tempo de fragilidade que sucede a perda de alguém, ainda mais quando outra pessoa querida se vai? Como não pensar que, durante o luto, adentramos essa estranha contabilidade de datas, lugares, lembranças, um inventário de coisas e sentimentos, como se fosse possível enumerar as dores e tentar deter os traços da passagem de alguém pela Terra?
Chega um tempo em que olhamos ao redor e já não vemos mais tantos parentes e amigos. Isso não tem necessariamente a ver com a idade, mas também com ela. Alguns sumiram de vista e reaparecem em postagens fúnebres nas redes sociais. O que poderia ter sido diferente no contato com alguém que você subitamente sabe desaparecido para sempre é uma pergunta inútil da qual não se escapa nesse momento. E lidar com isso é mesmo uma arte incontornável.