Cesar Garcia Lima
O atendimento da farmácia prometia demorar, ainda mais sendo domingo à noite e com apenas uma caixa de plantão. Permanecia tranquilo, porém, por não ser autoatendimento, que antecipo em breve como um fator que aumentará a crise de desemprego no Brasil. Foi quando, através do vidro, vi as orelhas enormes e peludas sobre uma cabecinha minúscula de olhos atentos a qualquer movimento. A cachorrinha parecia bem acomodada nos braços de seu tutor, um homem branco, alto, calvo, de óculos, magro, vestido com uma camiseta vermelha com um distintivo do Flamengo, bermudas cargo, tênis e meias pretas que pareciam feitas para ajudar na circulação das pernas. A pequena (presumo que fosse uma cadela) logo me fez sorrir ao se voltar para trás de modo que pude contemplar melhor sua figura peculiar como uma personagem de quadrinhos, parada por um momento, mas com certeza vocacionada para saltitar.
Comecei a achar estranho aquele homem vestido demais para uma noite quente em uma cidade onde as pessoas estão quase sempre quase desnudas. Por um momento me apiedei dele: moraria sozinho e não teria ninguém para conversar e por isso estava ali entre a farmácia e a banca de jornal, apreciando o movimento? Seria uma pessoa sem recursos, como o personagem do filme neorrealista “Umberto D”, ameaçado pela pobreza? Ao sair da farmácia e passar pela banca de jornal, vi uma TV ligada lá dentro, talvez o homem da cachorrinha estivesse apenas vendo o jogo por falta de um aparelho em sua casa. Voltei a pensar na dupla como carente de recursos, ao deus-dará. Comprei um suco em lata para matar a sede e segui meu caminho.
Eis que revejo homem e cachorrinha passarem por mim totalmente diferentes da cena em frente à farmácia, agora acompanhados por uma mulher mais jovem. A cachorrinha estava no chão, com coleira, ágil e feliz, sendo conduzida pela mulher. O que eu imaginei como drama social, aparentemente era apenas um homem e sua cachorrinha esperando a esposa em alguma missão de última hora. Quem sabe a semana prometa mais leveza e eles tenham chegado bem em casa?