Diretora do documentário “Não Haverá Mais História Sem Nós” (2024), escolhido para a abertura da Mostra VER-O-NORTE (CAIXA Cultural RJ), Priscilla Brasil explica que “a Amazônia demanda uma forma própria de fazer cinema. Os desafios humanos, materiais e da própria floresta são muito grandes. O cinema amazônico é um cinema a ser inventado ainda”.
Priscilla conta que seu desejo de fazer cinema surgiu na infância, mas na época não existia nenhuma universidade de cinema na Amazônia inteira. “Tive de começar por mim mesma. Consegui uma câmera emprestada e fiz meu primeiro filme.”
A cena cultural paraense é uma referência constante no trabalho da diretora. “O tecnobrega e a música são fundamentais na cultura da Amazônia hoje, e fazer filmes sobre isso era uma forma de desconectar a região desse mundo verde que está na cabeça de todo mundo. Existe uma Amazônia urbana, diferente, caótica. Queria ver na tela o que eu via na rua. A Amazônia é muito complexa, de uma diversidade humana muito grande. Mais de 70% de nós vivemos em cidades.” Ela compreende a música como um veículo de difusão de ideias, uma forma de alcançar um número maior de pessoas. “Num determinado momento de minha vida, achei que os filmes não eram suficientes para fazer o trabalho que eu estava querendo e virei produtora musical também.”
Quando voltou ao cinema, optou por um trabalho mais politizado. “Sou uma pessoa que mudo muito. Nesta fase agora quero pensar coisas complexas e colocá-las nos filmes. Pensar outros espaços além da Amazônia com uma cabeça de amazônida. Inverter o que as pessoas sempre fizeram com a gente, numa contra-antropologia. A partir do Sul Global chegar ao Norte Global e olhar para as cidades, os espaços e as narrativas que eles produzem com valores, pensamento e vivências amazônicos. Essa inversão é minha ideia para o documentário (“Não Haverá Mais História Sem Nós”).
Esse documentário, aliás, revela muito da própria Priscilla Brasil (“Gosto muito de propor o que ninguém quer fazer”) e surgiu do estudo dos arquivos da própria cineasta e dos arquivos amazônicos que estão presos nos museus europeus: “Misturando os dois deu esse filme”. Ela ressalta a linguagem do documentário: em forma de manifesto, extremamente político. “E narrado a partir de uma subjetividade muito explícita, a minha.” Para Priscilla ele é um filme impossível, uma subversão do cânone do documentário.
Acima de tudo, “Não Haverá Mais História Sem Nós” é “o grito contra o racismo e o preconceito que o mundo tem com as pessoas que habitam o espaço da floresta”. Como sintetiza a última frase do filme: “É preciso tomar a palavra”. Para a diretora isso expressa “um clamor pela categoria amazônida”. “Ela não existe, mas é política, e eu gostaria de ver existir. Esse filme é a luta por essa categoria, que reivindica a Amazônia para quem vive na Amazônia”, conclui.