Com a série “Palm Royale” (2024-, Apple TV), a exuberância da atriz e roteirista Kristen Wiig começa a ser melhor conhecida pelo público brasileiro. A artista estadunidense nasceu em 22 de agosto de 1973. Sua trajetória passa pela Universidade do Arizona, pela mudança para Los Angeles e, sobretudo, pelos palcos do grupo de improvisação Groundlings. Ali, ela inventou seu estilo: uma comédia que nasce do desconforto, uma dramaturgia da vulnerabilidade e uma observação aguda do comportamento humano.
Quando chegou ao cultuado programa humorístico “Saturday Night Live” (2005–2012), que infelizmente não é exibido no Brasil, Kristen passou a lidar com personagens que seriam sua marca registrada: pessoas ansiosas, autocentradas, socialmente inadequadas ou emocionalmente descompensadas, mas sem cair na caricatura. Sua comédia tem a ver com um desconforto ao mesmo tempo terno e ridículo.
O cinema mudou sua vida. “Missão Madrinha de Casamento” (2011, Prime), dirigido por Paul Feig, produzido por Judd Apatow e escrito pela própria Kristen Wiig em parceria com Annie Mumolo, foi um estrondoso êxito. O filme era um retrato honesto, às vezes brutal mas sempre engraçadíssimo, da precariedade emocional e econômica da vida adulta feminina. Wiig viveu Annie, uma mulher marcada por inseguranças e fracassos profissionais. Seu humor aqui é uma forma de crítica: a atriz-roteirista expõe a pressão social sobre o corpo, o amor, o trabalho e o próprio conceito de “sucesso” feminino.
Para entender o humor de “Missão Madrinha de Casamento” basta recordar sua sequência mais famosa. Annie leva a noiva e as madrinhas a um restaurante de frutos do mar. Ela insiste que a comida é ótima, especialmente os espetinhos de carne e o molho. Durante o almoço, algumas das madrinhas já começam a sentir um leve desconforto. Em seguida, o grupo vai a uma butique de vestidos de noiva, extremamente cara e sofisticada, para experimentar modelos de alta costura. Assim que as madrinhas e a noiva estão em frente ao espelho com os vestidos escolhidos, os sintomas da intoxicação alimentar se tornam insuportáveis para a maioria. Há uma corrida ao único banheiro da loja. Megan (Melissa McCarthy) é a que chega ao limite mais rápido. Como o banheiro está ocupado, ela chuta a porta, destruindo a fechadura. Ao entrar encontra uma das outras noivas desmaiada e sentada no vaso sanitário. Desesperada, ela utiliza a pia como um substituto para o vaso. A noiva Lillian (Maya Rudolph) não consegue chegar a tempo ao banheiro. Sai correndo da loja, ainda vestindo o caríssimo e delicado vestido de noiva. Ela se agacha na rua movimentada e não evita o desastre. Annie observa a situação de longe e se sente culpada pelo ocorrido.
A maturidade artística Kristen Wiig é revelada em “Palm Royale”, série ambientada em 1969, na qual ela interpreta Maxine Simmons. A atriz, também produtora, aceitou o desafio de desse trabalho pela oportunidade de encarnar uma protagonista complexa em um uma comédia de época e a chance de trabalhar com um elenco de peso (Laura Dern, Carol Burnett, Allison Janney, Ricky Martin e outros). A série, uma mistura de sátira social, comédia de costumes e melodrama, foi criada por Abe Sylvia e é baseada no romance “Mr. & Mrs. American Pie”, de Juliete McDaniel. Nela a alta sociedade da Flórida da época é mostrada ironicamente em seus piores aspectos.
Para a Apple TV, “Palm Royale” representa uma produção cara (por conta de cenários de época, figurinos luxuosos, elenco experiente e grande), mas que ajuda a reforçar a imagem da plataforma como provedor de conteúdo de alto nível. A Apple TV+ costuma apoiar projetos com apelo para nichos sofisticados ou para um público que valoriza narrativa de alta qualidade. A série é mais um esforço no sentido de ser reconhecida com um streaming “de prestígio”. E aparentemente isso tem funcionado com “Palm Royale”, bem sucedida em termos de público e crítica.
Kristen Wiig é também ativista. Ela apoia organizações ligadas à saúde reprodutiva e aos direitos das mulheres, como a Planned Parenthood, participa de iniciativas ambientais associadas ao NRDC (Natural Resources Defense Council) e colabora com programas e eventos beneficentes em defesa de jovens em situação de vulnerabilidade, como o DonorsChoose. Sua postura pública é de uma de cidadã cuidadosa: fala quando necessário, auxilia financeiramente e empresta sua visibilidade a causas que considera essenciais.
Uma mulher de seu tempo. Atriz talentosa e multifacetada. E uma pessoa engajada em projetos relevantes em termos comunitários, o que permite compreender sua consciência social.



