“Frankenstein” (2025, Netflix”), de Guillermo del Toro, faz o espectador logo de início compreender o que um extraordinário cineasta pode realizar com um grande orçamento (120 milhões de dólares, segundo a estimativa do IMDb). A fotografia, a cenografia e a música imediatamente levam ao ambiente e à atmosfera do filme. Começa aí uma viagem de magia, emoção e tragicidade.
A nova versão cinematográfica do romance de Mary Shelley, publicado em 1818, trata principalmente do drama do vínculo rompido entre criador (Dr. Victor Frankenstein) e criatura. A autora havia concebido uma Criatura que fala, pensa, argumenta, lê e descobre, com lucidez trágica, que não há espaço para ela no mundo.
Muitos foram os outros filmes a lidar com o universo de Mary Shelley. Mas dois merecem menção. James Whale, em “Frankenstein” (1931), filme de estética expressionista, dirigiu Boris Karloff, que estabeleceu a forma icônica da Criatura. Kenneth Branagh, em “Frankenstein de Mary Shelley” (1994, Sony One), pretendeu ser fiel à dimensão literária da obra romanesca. No filme, o ator Robert De Niro construiu uma Criatura extremamente humana: eloquente, capaz de raiva, ternura e reflexão. Branagh tentou honrar Shelley, trazendo de volta a criatura pensante e o pathos romântico.
A obra prima de Guillermo del Toro tem Oscar Isaac como o Dr. Victor Frankenstein e Jacob Elordi como a Criatura. Isaac interpreta Victor como um homem dilacerado pela ambição e pelo luto. Elordi, magistral, assume a Criatura como um ser cuja fragilidade e impulso de compreensão antecedem qualquer gesto de violência. Mais do que uma adaptação de Mary Shelley, há na película uma síntese artística dos temas mais caros ao diretor. Além disso, a fotografia de Dan Laustsen, o figurino de Kate Hawley e a música de Akexandre Desplat elevam o filme a um patamar de excelência rara.
O cineasta revela a capacidade de mover-se entre a solenidade e a ternura. Sua encenação privilegia a fisicalidade. A Criatura é frágil e movida por uma curiosidade quase infantil. Elordi trabalha o corpo como se cada gesto fosse marcado pela dor.
A corporalidade simbólica atravessa o filme. A nudez no “Frankenstein” de Guillermo del Toro tem função narrativa e emocional: é a forma mais direta de revelar a verdade interna dos personagens. Assim como a nudez da Criatura expressa sua origem, sua inocência brutal e o fato de que chega ao mundo sem história e sem proteção, a nudez do próprio Dr. Frankenstein adquire peso dramático ainda maior, pois desmonta a posição do criador e o expõe em seu estado mais vulnerável e contraditório. Del Toro evita qualquer erotização. O corpo nu faz com que Victor se mostre mais humano do que jamais se permitiria no discurso ou na postura.
Um breve diálogo, ao fim do filme, sintetiza a emoção intensa que a obra busca expressar.
A Criatura: Preciso que você faça uma companheira para mim. Alguém como eu.
Dr. Victor Frankenstein: Uma companheira. Compreendo. Outro monstro.
A Criatura: Sim. Podemos ser monstros juntos.
“Frankenstein” de Guillermo del Toro é grandemente isso: uma obra de arte que celebra o amor de forma inusitada.



