Ainda é muito cedo para me levantar, tomar café ou comer uma fruta. Despertado pelo calor, canso de me revirar na cama e vou para a sala, ao encontro da luz que começa a emergir da noite. Tento identificar quais são os passarinhos madrugadores, um anúncio de vida na balbúrbia crescente da cidade, enquanto os primeiros carros do dia começam a transitar.
Nesta fase do ano, a lista de coisas a fazer é grande, mas a dúvida é antiga: poesia ou prosa? Crônica ou poema? O compromisso que assumi comigo mesmo de escrever crônicas neste espaço se impõe, mesmo que permaneçam em processo o livro de poemas e uma seleta de contos, adiada durante anos. Os gêneros curtos permanecem como meus prediletos.
Em alguns momentos me ressinto da vocação primeira da poesia, que surgiu em mim muito cedo, e que fui cultivando ao longo do tempo com leituras. Um bom livro de poemas para mim é aquele que me instiga a escrever meus próprios versos, como um diálogo que se estabelece.
Acordar no meio da noite e não conseguir retomar o sono parece ser o mote do verão que ainda não chegou, mas se adianta em altas temperaturas e secura, que faz do Rio de Janeiro um lugar abafado e inóspito. É a mesma questão que volta há pelo menos dois anos e se converte em suplício real e imediato sem que eu vislumbre atitude imediata do poder público, com decepção dos encontros internacionais sobre o tema, que acabam privilegiando o aspecto econômico, não ambiental. A vontade é de não sair na rua para me preservar dessa onda escaldante proporcionada pela crise climática, que meu corpo enfrenta como um pesadelo em que é quase impossível relaxar, mesmo com ar-condicionado ligado e a certeza de alta conta de energia elétrica.
No meio disso, vem a preocupação com o tema da crônica e sua escrita. Com o fim da pandemia, que parece sempre recomeçada com as notícias de novos casos de covid, pensei nos assuntos não vivenciados presencialmente, com a convivência subtraída replicada para o mundo virtual. Durante muitos meses durante a pandemia, meu único passeio era ir a uma praça ao lado do Aterro do Flamengo, onde as pessoas caminhavam de máscara. Daí meu desejo primeiro de exercer a crônica semanalmente, como um exercício de despretensão e resgate desse tempo perdido. Mas os anos não voltam e o tempo só caminha para a frente, na sucessão de dias e de noites mal dormidas. Por mais que eu tente converter o que perdi em literatura, o dia que chega me assombra, até que a única coisa a fazer seja me levantar.