Cesar Garcia Lima
Em busca de um livro para dar de presente e de uma caminhada de final de tarde, saio de casa para ir à livraria do bairro. O último exemplar do livro já tinha sido vendido, mas tudo fica subitamente pesado com a notícia da morte do poeta Armando Freitas Filho, que vejo na internet. Toda vez que morre um poeta é como se eu ficasse órfão.
Conversei com Armando pessoalmente apenas uma vez, quando percebi a franqueza com que levava a vida, com um humor que se confundia com impaciência, durante um almoço com outros escritores num restaurante do Rio. Em alguns outros e-mails trocados com ele, prevaleceu a gentileza, mesmo que com brevidade. Infelizmente não consegui confirmar se recebeu o último livro que enviei para ele quando fez 80 anos, a pandemia rondava nossas vidas e a política expandia sua insanidade a partir do Planalto Central. Não quis insistir, pois acho que quem chega a essa idade já tem o direito de não responder.
Fui leitor de Armando desde os anos 1980, quando a poesia marginal me entusiasmava a escrever meus próprios textos, curtos e graves. Se Ana Cristina Cesar me cativou pelo mistério da intimidade falseada, Armando parecia resgatar o lirismo sem soar anacrônico ou excessivo. A ele coube o fardo de organizar a obra precocemente póstuma de Ana C , e me condoía quando li suas entrevistas sobre o assunto, tentando ser elegante mesmo com a tragédia ainda machucando seu afeto.
Alguns citam João Cabral de Melo Neto como uma de suas principais influências, mas não esqueço a insistência dele em falar de Drummond no documentário “Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície” (2016), de Walter Carvalho, filme obrigatório para quem saber mais sobre Armando por suas próprias palavras. Talvez ele seja o poeta que sintetiza o mergulho interior de Drummond e a secura corrente de João Cabral. Vai fazer muita falta.