Com a fama de mês difícil para os brasileiros, agosto nos tirou Luís Fernando Veríssimo. Logo que a morte dele foi anunciada, no dia 30, uma profusão de citações do escritor gaúcho inundou as redes sociais, relembrando sobretudo seu humor afiado e olhar crítico para o modo de vida brasileiro. O poeta Carlos Drummond de Andrade, igualmente cronista por muitas décadas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, também morreu em agosto, no dia 17, em 1987, mas ainda não tínhamos a internet para repercutir nossos lutos e vitórias de modo tão evidente. Atualmente, Veríssimo, a quem se (atribui ou atribuem?) cinco milhões de livros vendidos, não para de colecionar homenagens no mundo virtual.
O que mais me chama atenção no lamento à perda de Veríssimo é que ele era acima de tudo um cronista e ninguém questiona sua relevância como escritor, neste país onde o gênero é tão popular, mas ao mesmo tempo discriminado, talvez por nascer das narrativas do jornalismo cotidiano. Verissimo escrevia crônicas pelo menos desde 1967, no jornal “Zero Hora’, de Porto Alegre, para onde tinha voltado depois de morar com o pai, o escritor Érico Veríssimo, e a família, nos Estados Unidos, e também no Rio de Janeiro, onde conheceu sua companheira Lúcia Helena Massa. Nesta época em que muitos se autointitulam escritores com facilidade, publicando de imediato na internet tudo o que produzem, não é pouco vermos um autor no qual a ironia era um componente básico de seu estilo ter uma popularidade tão disseminada, catapultada sobretudo pela adaptação de suas crônicas em “Comédia da Vida Privada” para a TV, mas cultivada em jornais e revistas com personagens como o Analista de Bagé ou a Velhinha de Taubaté.
Alguns dias antes da perda de Veríssimo, estava pensando justamente no lugar de ainda coadjuvante atribuído ao gênero literário quando li uma crônica do escritor Tiago Germano em sua coluna “Aqui jaz um cronista” no Substack, a rede social popular no meio literário. Cronista de longa data que ganhou notoriedade pelo romance “O que pesa no Norte” (2022), Tiago, de verve caudalosa, dá um veredito rápido sobre o assunto a partir de uma metáfora bem-humorada: “A crônica é o vira-lata caramelo da literatura. Sem raça definida, não precisa de pedigree para se provar tipicamente brasileira, cruzamento do tudo com o nada e do muito com coisa nenhuma. Escorraçada por alguns, adotada por tantos outros, costuma vagar livre pelas ruas de nossas cidades, à procura de um abrigo e de uma mão gentil que a alimente.” O escritor paraibano explica que chegou a essa conclusão enquanto ministrava uma oficina de criação literária e teve como companhia sonora um bando de cães desgarrados que não paravam de ladrar. A referida crônica ganhou ainda uma continuação intitulada “Ainda sobre a crônica, essa cachorra”. Eu recomendo a leitura não apenas do primeiro texto, mas também do segundo, na qual Tiago desenvolve de maneira detalhada e divertida a relação entre a crônica e o mundo canino.
Por Luis Fernando Veríssimo, por Tiago Germano e por todos nós, cronistas dessa grande porção de terra chamada Brasil, é que sugiro que a categoria crônica seja mais lembrada nos prêmios literários. Isso seria bem-vindo sobretudo no Prêmio Biblioteca Nacional, que encerrou suas inscrições recentemente, no qual a crônica deveria uma categoria específica. Afinal, o gênero literário que deu popularidade a Rubem Braga, Clarice Lispector e Paulo Mendes Campos, apenas para citar alguns nomes, é muito expressivo no país e sua divulgação é crescente no meio digital. Não sou daqueles que encaram as premiações como sentido único da vida literária, mas com certeza isso ampliará os horizontes literários de quem se dedica a essa escrita do cotidiano.