Karl Mor
O cineasta e dramaturgo alemão Rainer Werner Fassbinder, talvez um dos maiores artistas do século XX, foi como uma bomba relógio. Viveu e produziu de forma tão intensa que era fácil vislumbrar a cada momento seu trágico crepúsculo: morreu em 1982, aos 37 anos. O cinema da Alemanha nunca se recuperou da perda dele. E, no entanto, a raiz de seus filmes está bem longe da Europa. Tudo começa com o cinema melodramático do também alemão Douglas Sirk (1897-1987), que se estabeleceu nos EUA. Nos anos 1950, Sirk dirigiu romances afetados e exagerados, não por acaso estrelados por Rock Hudson, que veio posteriormente a ser um ícone homoerótico, aspecto muito caro ao cinema de Fassbinder.
Por incrível que pareça, quem de uma certa forma retoma a tradição farsesca de Sirk e Fassbinder é o cineasta francês François Ozon.
Karl mor
Mas o excesso melodramático ganha um gosto amargo no cineasta alemão. Torna-se um conjunto de histórias de atrizes viciadas, cantoras oprimidas e marinheiros infelizes. Por incrível que pareça, quem de uma certa forma retoma a tradição farsesca de Sirk e Fassbinder é o cineasta francês François Ozon, nascido em Paris em 1967, um bad boy mais contido. Ele realizou filmes como “Oito mulheres” (2002) e “Potiche – esposa troféu” (2010), nos quais não há propriamente amargura e tragédia, mas uma encenação tão caricata que beira o absurdo. Outro ponto a destacar: a forma idealizada mas algo melancólica como as protagonistas são construídas. Eis aí um uma indiscutível aproximação com Fassbinder, um na comédia, o outro no drama, mas sempre às voltas com mulheres fortes, sagazes e obstinadas.
Em 2022 esse entrecruzamento franco-alemão é explicitado com o filme “Peter von Kant”, uma inusitada refilmagem de “As lágrimas amargas de Petra von Kant”, o clássico de Fassbinder lançado 50 anos antes. A brincadeira começa pelo título: Petra agora é Peter. Mas a intensidade melodramática permanece. “Peter”, que está na Looke, é uma ótima forma de começar a conhecer Petra. Para posteriormente se enveredar pela arte de Fassbinder. São dois artistas próximos e distantes, que merecem toda a atenção.
