A elite da Nova York dos anos 1880, em meio a opulência e rígidas regras sociais, é o tema central da série “A Idade Dourada” (HBO, 2022-2025), que não só retrata uma era, mas também apresenta mulheres como protagonistas de sua própria história, com a ousadia de desafiar convenções. A série foi criada pelo inglês Julian Fellowes (1949), também responsável pela franquia “Downton Abbey” (a partir de 2010, Netflix) e roteirista do genial filme “Assassinato em Gosford Park” (2001, Prime), dirigido pelo estadunidense Robert Altman (1925-2006). Nos três trabalhos, Fellowes segue a mesma linha. Aborda os muito ricos e ao mesmo tempo seus empregados proporcionando assim duas visões eventualmente antagônicas de mundo.
O conflito central de “A Idade Dourada” é a disputa entre o “dinheiro antigo” (a burguesia tradicional) e o “dinheiro novo” (os magnatas industriais). As figuras do “dinheiro antigo” se aferram às convenções e à linhagem, empregando a exclusão social como arma. Já o “dinheiro novo” é representado por indivíduos que usam fortuna e determinação para romper barreiras e redefinir o estado das coisas.
Bertha Russell (Carrie Coon) é a protagonista da série. Ela é a própria encarnação dos novos ricos. Com sua ambição implacável em conquistar um lugar privilegiado na alta sociedade, faz da inteligência estratégica e da riqueza ferramentas de poder. Ela desafia as normas, investe na ousadia e força a aceitação, como representante da modernidade e do dinamismo da nova era. Em uma performance poderosa e multifacetada, Carrie, de sólida base teatral, transmite a força e a vulnerabilidade de Bertha, que passa a ser uma figura complexa e cativante, não apenas uma mera vilã.
Agnes van Rhijn (Christine Baranski) é a personificação da velha guarda. Adepta inabalável das regras sociais tradicionais e conhecida por seu sarcasmo, ela representa a tentativa de preservação do status quo e a crítica ao que considera falta de “pedigree”. Embora gélida, é discretamente afetuosa com os membros de sua família e trata seus empregados com respeito. O efeito da personagem não seria produzido sem Christine. Com sua vasta experiência no teatro, no cinema e na televisão, ela domina os diálogos afiados e possui um tempo cômico impecável. É perfeita, portanto, para a expressão do humor de Agnes.
Marian Brook (Louisa Jacobson), sobrinha de Agnes, representa a transição do velho ao novo. Critica as convenções que lhe parecem injustas e empreende uma jornada da inocência de sua formação familiar à consciência da realidade de seu tempo. Quer mais do que um casamento, busca realização profissional e transita entre diferentes círculos sociais. Em seu primeiro grande papel na televisão, Louisa, atriz formada pela renomada Yale School of Drama, traz empatia e sagacidade a Marian. Ela é filha de Meryl Streep.
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Ada Brook (Cynthia Nixon) é irmã de Agnes e serve como contraponto gentil e sensível para o conservadorismo excludente da outra. Também busca independência e voz própria, o que contraditoriamente só alcança pelo casamento. Romântica e otimista, imagina uma felicidade que pode surgir até mesmo de forma inesperada. Acaba sendo o seu caso. De qualquer forma, assim como sua irmã, não rasga dinheiro. O carisma de Cynthia Nixon contribui certamente para dar credibilidade a Ada. A atriz tem sido reconhecida no teatro e em outros trabalhos em televisão. Dá dignidade e sutileza ao papel. Mas seu principal mérito é a eficácia ao contracenar com Christine Baranski.
Peggy Scott (Denée Benton) é uma mulher afro-americana que trabalha como secretária de Agnes. Embora vivendo como uma empregada na mansão van Rhijn, ela vem de uma família remediada, já que seu pai é um farmacêutico. Destaca-se pela inteligência e pelo talento como escritora enquanto enfrenta desafios previsíveis em uma sociedade racista e sexista. Seu objetivo é a autonomia profissional e pessoal. Denée é uma atriz de experiência teatral. Sua presença cênica é crucial para fazer compreender a força e a complexidade de Peggy, cuja história é um dos pontos fortes da série.
As mulheres são as locomotivas de “A Era Dourada”, já na terceira temporada. Elas moldam a trama e provocam as tensões e os conflitos da narrativa. O êxito da empreitada tem certamente muito a ver com o talento e a trajetória de suas atrizes principais, que constroem personagens com autenticidade e profundidade. O espectador tem de decidir se torce ou não por Bertha Russell. Ela pode até vir a fracassar em seus planos de dominar a alta sociedade de Nova York. Mas o “dinheiro novo”, que ela bem representa, sempre vence.