Karl Mor
O espião subordinado elogia um informante dizendo que ele é “confiável”. O espião-chefe responde: “Você não é confiável e nunca confie em mim.”. Esse parece ser o espírito dos serviços de inteligência. A confiança é algo inatingível. “O túnel de pombos” (2023), disponível no Apple TV e dirigido por Errol Morris, é um documentário que, justamente, desvela o mundo da espionagem ao contar a história de John Le Carré, escritor inglês mundialmente famoso por livros como “O espião que saiu do frio” (1963) e “O espião que sabia demais” (1974).
Le Carré, nascido David Cornwell e morto em 2020, aos 89 anos, concedeu em seus anos finais uma longa entrevista a Morris. A partir daí é estruturado “O túnel de pombos”, filme entremeado por fragmentos de adaptações para TV e cinema de sua obra, entrevistas de arquivo e algumas dramatizações feitas especialmente para o documentário. Há nele questões incisivas sobre os temas da traição e da duplicidade na ficção de espionagem e de como a obra de Le Carré foi inspirada por seus primeiros anos de vida. Ele trabalhou brevemente como professor em Eton (escola de prestígio na Inglaterra) e dedicou-se por alguns anos aos serviços de inteligência britânicos na Alemanha. Durante a Guerra Fria, testemunhou a construção do Muro de Berlim, por exemplo. Logo após essa experiência como espião e já tendo compreendido bem os meios da diplomacia e da espionagem, tornou-se um escritor famoso e uma referência em obras do assunto.
O documentário concentra-se na relação de David com seu pai, Ronnie Cornwell. O título do filme tem a ver com uma experiência traumática do filho na companhia do pai envolvendo uma armadilha para pombos. Apesar de todo o sucesso e do prestígio, críticos e editores literários costumavam chamá-lo de “autor de romances de espionagem” sem reconhecer sua grandeza como escritor. Eis aí John Le Carré em sua própria armadilha.