Primeiro projeto da produtora Higher Ground (HG), fundada por Barack e Michelle
Obama em 2018, o documentário “Indústria Americana” (2019/Netflix), dirigido por
Julia Reichert e Steven Bognar, trata de maneira quase tragicômica da reabertura de
uma antiga fábrica da General Motors, em Dayton, Ohio, pela empresa chinesa Fuyao
Glass. Ganhador do Oscar de documentário, o filme tem a marca singular da HG:
conteúdo de qualidade e abordagem de questões sociais.
A fábrica da GM havia fechado durante a recessão de 2008. Milhares de trabalhadores
ficaram desempregados. Em 2014, a empresa chinesa adquire e reabre a unidade
industrial. Mas as condições oferecidas passam a ser muito diferentes. A hora de
trabalho, por exemplo, cai pela metade do valor. Os trabalhadores locais decidem
aceitar a oferta da Fuyao, mesmo sem ter a remuneração e o apoio sindical de antes.
Como diz um dos funcionários estadunidenses: o emprego na GM era melhor, mas isso
não existe mais. É melhor do que permanecer desempregado. A palavra de ordem é
resignação.
O documentário tem uma abordagem observacional. Evita o maniqueísmo e dá voz a
todos os envolvidos na situação: empresários e trabalhadores chineses, operários
estadunidenses e sindicalistas. A ideia parece ser apresentar uma determinada realidade
sem estabelecer de antemão quem está certo e quem está errado. Não há narração. As
fontes falam, são ouvidas e filmadas.
De qualquer forma, há um conflito em termos de ética do trabalho. Algo como trabalhar
para viver (EUA) e viver para trabalhar (China). Ou melhor dizendo, individualismo
versus coletivismo. Na verdade, o filme revela um grande esforço de compreensão de
ambos os lados. Tanto os chineses quanto os estadunidenses buscam soluções para os
problemas que surgem no cotidiano da indústria, mas isso nem sempre é alcançável.
O entretenimento é também um sintoma da diferença cultural. Os chineses,
extremamente formais, promovem festas com casais cantando, crianças dançando e
casamentos coletivos. Os estadunidenses assistem a tudo perplexos, mas mesmo assim
convidam os outros para um churrasco.
É um exemplo de globalização reversa: o capital chinês investindo no mercado de
trabalho estadunidense. E, para além do bem e do mal, a experiência atesta a
impressionante evolução da China nos planos econômico e social. O que era uma nação
predominantemente agrária é hoje a segunda maior potência do mundo.
Ao final de “Indústria Americana”, depois de muitos embates entre chineses e
estadunidenses em relação à eficiência e bem-estar no trabalho, surge a realidade
contemporânea: a automação. Robôs passam a substituir operários que os empresários
da Fuyao Glass julgavam ineficientes. Desenha-se assim um futuro cada vez mais
sombrio para os trabalhadores do mundo.