“Stranger Things” (2016-2025, Netflix), agora em sua quinta e última temporada, não é apenas sobre monstros e crianças superdotadas. A série criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer mistura de forma precisa suspense, emoção e nostalgia. E transporta magicamente o público para a pequena cidade de Hawkins e para o fim da década de 1980.
Desde de sua estreia, “Stranger Things” tem sido um coquetel de cultura pop. A série já nasceu como uma homenagem explícita ao cinema que formou toda uma geração, especialmente os filmes de Steven Spielberg. A referência obrigatória é ao filme “E.T. – O Extraterrestre” (1982, Universal+): crianças como protagonistas às voltas com bicicletas e walkie-talkies, ambiente de subúrbio estadunidense dos anos 1980, descoberta de uma figura “de outro mundo”, que transforma a vida dos outros personagens (no caso da série, essa figura é Eleven, vivida por Millie Bobby Brown).
Se Spielberg fornece a matriz conceitual e visual, “Super 8” (2011, Amazon), de J. J. Abrams, funciona quase como um protótipo de “Stranger Things”: um grupo de pré-adolescentes enfrenta um fenômeno extraordinário enquanto lida com luto, insegurança e descobertas afetivas. Tal como os diretores da série, Abrams filma as crianças com ternura, humor e autenticidade.
Os monstros de “Stranger Things” surgem não apenas como adversários sobrenaturais, mas principalmente como metaforização dos traumas e fragilidades dos protagonistas Eleven e Will (Noah Schnapp). Hawkins, a cidade em que vivem, deveria ser sinônimo de segurança e refúgio para eles. Entretanto, é justamente ali que brotam criaturas hostis e conspirações governamentais.
Em “Stranger Things”, a amizade funciona como núcleo dramático e valor ético. É o elemento que sustenta a narrativa mesmo quando os perigos se ampliam e a série avança para paisagens mais sombrias. Com tantos anos de convivência para a realização do programa, os atores Millie Bobby Brown e Noah Schnapp levaram esse espírito fraterno para a vida real e se tornaram grandes amigos.
Millie e Noah representam exemplarmente a história da série. Quando começaram, eram crianças. Ao longo de quase uma década, já que amadureceram diante das câmeras, suas vidas se tornaram públicas. A protagonista Eleven, que passou de criatura temerosa a jovem em controle da própria força, faz pensar no amadurecimento pessoal de Millie. Ela se tornou empresária, estrela de filmes e símbolo de uma geração em escala mundial. Era ainda adolescente quando, com “Enola Holmes” (2020, Netflix), assumiu a função de produtora.
Noah Schnapp, no elenco da série desde os dez anos, viveu um processo igualmente significativo, embora mais silencioso. Seu personagem, Will, foi construído desde o início como alguém profundamente marcado pela experiência do terror e do trauma. A trajetória de Noah na vida real dialogou de maneira inesperada com a sensibilidade de Will. Ao longo da maior parte dos anos da série, o ator manteve uma postura reservada sobre sua vida pessoal, mas em 2023 fez o anúncio público de sua orientação sexual com naturalidade e humor, recebendo forte apoio de fãs e colegas.
Contudo, é Winona Ryder quem amarra todo o universo de “Sranger Things” com uma força emocional que se aprofunda a cada episódio. Sua Joyce Byers, desde o primeiro episódio, é o coração angustiado que traduz o absurdo em verdade. A escolha da atriz pelos irmãos Duffer deu a ela a possibilidade de se restabelecer profissionalmente. Antes mesmo que monstros aparecessem ou mistérios se revelassem, era o olhar de Joyce — trêmulo, decidido, perturbado — que convencia o público de que algo extraordinário estava acontecendo. Outro aspecto da retomada de Winona como atriz de prestígio foi seu simbólico retor ao universo do cineasta Tim Burton em “Os Fantasmas Ainda se divertem: Beetlejuice Beetlejuice” (2024, HBO Max).
“Stranger Things” se aproxima do fim com o clímax de seu ciclo narrativo cuidadosamente construído. A estética se torna mais sombria, o risco mais palpável e as perdas mais profundas. O fecho da série sugere que Hawkins nunca foi apenas uma cidade, mas sim um estado de espírito. E, de certo modo, continuará para sempre: na imaginação e na nostalgia, na coragem e nas descobertas, tanto de personagens quanto de espectadores. Afinal, viver, na infância ou na maturidade, é lutar contra monstros invisíveis, concretos ou abstratos, dia após dia.



