Há muitas acepções para o termo “queer”. Aqui o significado é “homoafetividade entre homens”. Para levar adiante essa abordagem parcial, três filmes são escolhidos: “O Amor Não Tem Sexo” (1987/Youtube), “Felizes Juntos” (1997/Mubi) e “Queer” (2024/Em cartaz).
O título brasileiro “O Amor Não Tem Sexo” nada tem a ver com o original (“Prick Up Your Ears”, algo como “preste atenção”) e soa como um equivocado aviso para o público acerca do conteúdo do filme. Essa obra memorável do cineasta britânico Stephen Frears conta a história do dramaturgo Joe Orton (Gary Oldman). Ele era um artista que se tornou célebre ainda jovem e que lidava livremente com sua homossexualidade, embora mantivesse um relacionamento tóxico com Kenneth Halliwell (Alfred Molina), um antigo colega da Royal Academy of Dramatic Arts, em tudo seu oposto. Não tinha como dar certo.
Já “Felizes Juntos”, escrito e dirigido pelo cineasta chinês Wong Kar-Wai, apresenta uma história que pouco remete a felicidade e companheirismo. Dois namorados, sempre às voltas com separações e reconciliações, vão de Hong Kong a Buenos Aires como turistas, mas brigam novamente e ficam sem dinheiro para voltar para casa. Um deles é mais certinho e arranja um emprego, o outro cai na vida louca. O certinho volta a cuidar do outro quando este é espancado. Há uma nova aproximação e mais uma ruptura por conta de suspeitas e ciúme. Esse lamentável e longo desencontro é filmado com elegância e isenção por Wong Kar-Wai. “Felizes Juntos” é, mais do que tudo, uma bela experiência cinematográfica.
Finalmente “Queer”, escrito por Justin Kuritzkes, a partir da novela de William S. Burroughs, e dirigido por Luca Guadagnino, de “Me chame pelo seu nome” (2017). Na cidade do México dos anos 1950, Lee, William Lee (Daniel Craig) é um expatriado estadunidense que vive como um dândi bêbado supostamente desapaixonado, mas que na verdade sofre porque quer amar. Tem encontros sexuais com homens aleatórios, como o personagem vivido pelo artista Omar Apollo (impecável). Finalmente se apaixona por um homem mais jovem, o apolíneo e desinteressado Eugene Allerton (Drew Starkey). Um indiscutível clichê, mas talvez a vida seja mesmo assim. Nudez abundante, cópulas coreografadas, que são tidas como meramente suportáveis por Allerton, e muito tédio apesar da ansiedade etílica e da imprevista ingenuidade de Lee. “Queer”, um admirável experimento cinematográfico, por conta também de planos inesperados e iluminação sutil, não tem final feliz, o que não chega a surpreender.
Guadagnino é um dos melhores cineastas contemporâneos e extremamente sensível à experiência homoafetiva, agora mais visível e aceita socialmente. Frears e Kar-Wai, realizadores do século XX, retratam estilos de vida que eram menos compreendidos pelo grande público. Embora algo possa ter mudado no mundo ocidental, continua sendo extremamente corajoso abordar diretamente a no mínimo desconcertante questão “queer” para além das hipócritas mentiras sinceras.