Karl Mor
É possível dar limites para a paixão? Este ponto de partida parece vir de um melodrama ou de uma tragédia, mas os caminhos são diversos e inusitados. Tal intensidade é partilhada pela parisiense Severine (Catherine Deneuve), protagonista de A Bela da Tarde (YouTube Filmes), do espanhol Luis Buñuel, e a carioca Solange (Sonia Braga), originada na imaginação de Nelson Rodrigues e personagem-título de A Dama do Lotação (Globoplay). Os cartazes dos filmes já dizem muito: no de A Bela da Tarde, de 1967, Severine é vista de costas, parcialmente nua, mas com um olhar angelical; no de Dama do Lotação, dirigido por Neville d’Almeida em 1978, Solange está fortemente maquiada, veste um vestido decotado e justo e, ao contrário do discreto charme de uma burguesa, esbanja sensualidade. (“Ela se entrega a todos para continuar amando seu marido.”) Por não conseguir alcançar a intimidade com o marido, Severine se entrega ao desejo de seus clientes num prostíbulo. Após um contato sexual traumático com o marido, Solange passa de um ônibus a outro em busca de um sentido para o amor. Talvez não seja uma forma adequada de representar duas mulheres apaixonadas de acordo com os padrões contemporâneos, mas são filmes das décadas de 1960 e 1970. Além disso, não se trata de um naturalismo banal. O que se vê nessas obras cinematográficas é o surrealismo de Luis Buñuel e o expressionismo de Nelson Rodrigues. Celebra-se, portanto, a impossibilidade do amor romântico. E o cinema toma o lugar do divã do analista.