“Boots” (2025, Netflix), série criada por Andy Parker, está se revelando uma grata surpresa para os assinantes do serviço de streaming. Ela aborda com responsabilidade e coragem a experiência de homossexuais em um ambiente militar nos EUA. É inspirada pelo livro de memórias “The Pink Marine”, escrito por Greg Cope White. O protagonista de “Boots” é Cameron Cope (interpretado por Miles Heizer), um adolescente que, nos anos 1990, reluta em assumir sua homossexualidade e se alista impulsivamente nas Forças Armadas em busca de uma mudança radical em sua vida.
A série tem como cenário justamente um campo de treinamento de Marines, a tropa de choque global do país, uma instituição militar singular, entre o Exército e a Marinha, com capacidade própria de combate, mobilidade e projeção internacional.
É Cameron quem dá o tom de “Boots”. Ele chega ao campo aterrorizado por receio de ter seu segredo descoberto ou não conseguir suportar o treinamento militar. Quase sempre o que acontece é apresentado de seu ponto de vista peculiar, em que um humor perspicaz tempera as situações mais difíceis do cotidiano com a ajuda de um alter ego libertário e cômico, que está sempre pondo em cheque sua capacidade de sobreviver como recruta.
Em pouquíssimo tempo, “Boots” fez de Miles Heizer um astro. Ele está nas capas de diversas revistas internacionais, tem entrevistas em todas as redes sociais e frequenta eventos luxuosos em Hollywood. Nada mais justo. Miles, nascido em 1994, sem ter tido papéis de maior destaque no cinema e na televisão anteriormente, apresenta um trabalho maduro, em que há uma combinação complexa de vulnerabilidade e coragem, ingenuidade e inteligência, orgulho e culpa. É uma atuação contida, que, nos pequenos gestos, como ombros tensos, olhar perdido ou riso nervoso, concentra uma emoção que as falas não conseguiriam revelar. Apesar de seus 31 anos de idade, convence totalmente como um recruta de 18. Ator declaradamente homossexual, ele representa despretensiosamente uma geração inteira que cresceu ouvindo que o lugar destinado a sujeitos como ele era a invisibilidade ou a exclusão.
Vera Farmiga é Barbara Cope, a mãe nada convencional de Cameron. A atriz, nome mais conhecido do elenco, embora não tenha grande espaço na trama, constrói uma mulher ambígua, que ama com dificuldade e tem falhas evidentes. A natureza de seu relacionamento com o filho, entretanto, é a chave para a compreensão dos dilemas do protagonista.
O militarismo é revelado com senso crítico e respeito, sem a intenção de idolatrar nem demonizar a instituição. Mostra disciplina e violência emocional com honestidade. “Boots” é sobre amizade, camaradagem e fraternidade, palavras com sentidos próximos, mas que, no entanto, vão ter papéis distintos no enredo. Em ótima performance, o ator Liam Oh é Ray McAffey, o melhor amigo de Cameron. Contudo, trata-se também de masculinidade tóxica, do silêncio como recurso de sobrevivência e da solidão do homossexual em espaços hostis. Nesse sentido, o Sargento Liam, vivido por Max Parker, outro ator homossexual que também chegou à fama com a série, condensa as principais contradições da trama.
Unindo o cenário militar rigoroso de um campo de treinamento e a jornada de autoconhecimento de um jovem homossexual em ambiente hostil, “Boots” é duplamente uma narrativa de formação. Mas não apresenta um “esforço de cura” por parte de seu protagonista. Certamente, Cameron encontra a mudança que buscou desde o primeiro momento. Entretanto, não sacrifica sua integridade por isso. O comando que finalmente ouve é: “encontre o caminho de volta para você mesmo”.



