Karl Mor
“A noite das bruxas” (2023), filme dirigido por Kenneth Branagh e disponível no Star+, é baseado no livro homônimo da escritora inglesa Agatha Christie, publicado em 1969. Aí começam as diferenças. Em inglês o título do livro seria algo como “A festa de Halloween”, e o do filme, “Assombração em Veneza”. De qualquer forma, trata-se de mais uma investigação de Hercule Poirot, vivido pelo próprio Branagh, que divide a tela com Tina Fey, Michelle Yeoh e Jamie Dorman.
Justiça seja feita, o filme “A noite das bruxas” lida razoavelmente bem com as regras da ficção de mistério, seguidas e enriquecidas por sua rainha (para usar o lugar-comum) Agatha Christie.
Para começar, é obrigatória a excentricidade do detetive. Nesse sentido, o belga Hercule Poirot é insuperável, com seu bigode estranho e seus sapatos apertados, que ele insiste em usar mesmo quando tem de caminhar pelo campo. Muitos atores já viveram Poirot ao longo de décadas. Mas seria talvez difícil encontrar uma versão menos excêntrica do detetive belga do que a apresentada por Branagh.
Em seguida, vem o papel absolutamente central do raciocínio. Mais do que as aparências o grande detetive segue suas células cinzentas, como costuma dizer Poirot.
Em terceiro lugar, a ação deve ocorrer em um lugar pequeno ou em um espaço restrito. No livro de Agatha Christie, por exemplo, a trama se passa em Woodleigh Common (um vilarejo predominante residencial no Reino Unido). Como os filmes de Branagh devem ser ambientados de forma glamurosa, no Expresso do Oriente ou numa embarcação de luxo sobre o Nilo, o vilarejo vira Veneza, no Pós-Segunda Guerra Mundial. Para manter o filme dentro das regras definidas pelos mestres do mistério, toda a trama acontece em um palácio decadente. Veneza não tem nenhuma função específica no filme, diferentemente de Woodleigh Common, pacata mas repleta de gente interessante e vivaz.
De resto, o filme se esmera nos interrogatórios, e a revelação final é mais do que surpreendente. Mas talvez falte o toque mágico Agatha Christie. E principalmente o humor de Poirot.