Neste mês de agosto, estreia a segunda temporada de “Wandinha” (Netflix). Criada por
Alfred Gough e Miles Millar a partir de personagens desenvolvidos por Charles
Addams, a série consagra a união da estética do cineasta Tim Burton (1958) e do legado
de outras versões da “Família Addams”. O cartaz de divulgação de “Wandinha”
menciona que o programa veio “da mente alucinante” de Burton, o que é certamente
uma maneira divertida e bizarra de fazer uma apresentação. Diretor e produtor
executivo da série, Tim Burton, conhecido por criar atmosferas melancólicas e
personagens à margem da sociedade, encontrou nela o reflexo ideal de sua própria
juventude. Em entrevistas, o cineasta confessou ter se sentido deslocado durante a
adolescência, fascinado por cemitérios e apaixonado por tudo que lhe parecesse
estranho.
Destaque da primeira temporada, a escola Nevermore, por exemplo, foi construída com
elementos visuais inspirados no expressionismo alemão e na arquitetura gótica, bem de
acordo com o imaginário burtoniano. O cineasta moldou Nevermore como um lugar
sombrio e marcante ao estilo de cenários usados em seus filmes anteriores como “Os
Fantasmas se Divertem” (1988, HBO Max) e “Edward Mãos de Tesoura” (1990,
Disney+). O nome da escola (Nevermore, “nunca mais”, em português) é, aliás, uma
referência ao poema “O Corvo” (1845), de Edgar Allan Poe, marco da literatura gótica.
No poema, um corvo repetidamente pronuncia a palavra “nevermore” como resposta ao
narrador, que busca respostas sobre a vida após a morte e a esperança de reencontro
com entes queridos, mas a ave responde sempre “nunca mais”, reforçando a ideia de que
a perda é definitiva e não há retorno possível.
A Família Addams é uma criação original do artista visual Charles Addams. A primeira
aparição dos personagens foi em 6 de agosto de 1938, numa ilustração sem título na
revista The New Yorker. Eles eram uma paródia irônica da família americana
tradicional: ricos, excêntricos, macabros, mas com muito amor entre eles. Nos
quadrinhos originais, nenhum personagem tinha nome — eram apenas figuras esquisitas
e silenciosas, vivendo em uma mansão sombria. Foi a primeira série de TV, “A Família
Addams” (1964, Looke), que deu aos personagens seus nomes oficiais.
No cinema, houve duas célebres versões da mórbida família, ambas dirigidas por Barry
Sonnenfeld: “A Família Addams” (1991, Paramount+) e “A Família Addams 2” (1994,
Paramount+). Com humor ácido e visual exuberante, Sonnenfeld transformou as suas
versões da Família Addams em espetáculos carregados de exageros, esbanjando cores
saturadas e cenários teatrais. Apesar disso, o tom dos filmes era leve e espirituoso,
concentrando-se na dinâmica da excêntrica família, pois a direção valorizava a comédia
absurda e a convivência amorosa entre os seres macabros.
O nome de Wandinha em inglês é “Wednesday”, ou seja, quarta-feira, e foi inspirado
por uma cantiga infantil que descreve as crianças desse dia como “cheias de pesar”. Daí
a personalidade sombria da personagem.
Nos filmes dos anos 1990, dirigidos por Barry Sonnenfeld, Wandinha ganhou sua
versão clássica na interpretação de Christina Ricci. Ela era uma criança precoce, sádica
e sarcástica, mas incrivelmente cômica. Com sua presença marcante. Ricci retratava
uma menina sinistra e cômica, eficiente em suas artimanhas inteligentes, mas pouco
emocional.
Já a série de Tim Burton tem a própria Wandinha como foco. Agora adolescente, ela
está envolta em mistérios e conflitos existenciais. A protagonista Jenna Ortega constrói
uma personagem mais introspectiva, de voz contida e postura rígida, o que torna sua
performance mais realista e emocionalmente convincente.
Num eco de sua própria adolescência, Burton, em sua Wandinha, aposta na melancolia e
na profundidade psicológica. A série não apenas atualiza a personagem, mas a insere em
um contexto cultural mais amplo ao dialogar com obras como a de Edgar Allan Poe.
Nas mãos de Burton e Ortega, a personagem não é somente uma figura excêntrica, mas
sim um símbolo de resistência silenciosa, criatividade e autoafirmação.
A segunda temporada de Wandinha traz mais tensão e surpresas na trama. Uma delas é
a participação de Lady Gaga, que interpreta Rosaline Rotwood, uma enigmática
professora. Além disso, Gaga lança a música inédita “Dead Dance” na trilha sonora da
série.