A quarta temporada de “The Morning Show” (2019-presente, Apple TV+) estreia em 17 de setembro. A série, criada por Jay Carson e Kerry Ehrin, inspira-se em fatos reais do jornalismo televisivo americano, especialmente ligados à cultura corporativa e aos escândalos da era #MeToo, já que as profissionais da atração matutina enfrentam misoginia, assédio e pressão psicológica. Além dos bastidores da produção de notícias, o programa permite conferir as atuações de estrelas como Jennifer Aniston, Reese Witherspoon e Greta Lee. Além disso, entra em cena Marion Cotillard como a herdeira de um poderoso império midiático europeu. A ideia central é que as redações priorizam a audiência e o lucro sobre a ética. Mas essa crítica não é feita de forma didática. “The Morning Show” é uma série dramática sobre como a prática jornalística é corroída por razões econômicas e pessoais. De qualquer forma, além do elenco, cenários e locações elegantes garantem o glamour dessa imersão na televisão matinal estadunidense.
No século XX, cinema e jornalismo foram grandes aliados, e muitos filmes da época glorificam a figura do repórter, geralmente tratado como um herói, para além de questões éticas no ambiente jornalístico, que hoje predominam nas telas. “Todos os Homens do Presidente” (1976, Looke), dirigido por Alan J. Pakula, com o roteiro de William Goldman, talvez seja o melhor exemplo do filme clássico sobre jornalismo. Ele trata do caso Watergate, que resulta no impeachment do presidente republicano Richard Nixon em 1973. Na cobertura do caso, o repórter Bob Woodward (Robert Redford) trabalha com o colega Carl Bernstein (Dustin Hoffman), sob as ordens do editor Ben Bradlee (Jason Robards). Pakula imprime um ritmo seco e documental, reforçado pela fotografia de Gordon Willis, com seu uso de sombras para sugerir segredos e conspirações.
“Zodíaco” (2007, HBO Max), de David Fincher, tornou-se um clássico instantâneo. Seu roteiro é de James Vanderbilt a partir do livro de Robert Graysmith. Um assassino em série na área de São Francisco provoca a polícia com suas cartas e mensagens cifradas. Investigadores e repórteres trabalham tão obstinadamente nesse caso da década de 1970 em busca do criminoso que a tarefa se torna uma obsessão. A fotografia meticulosa e sombria de Harris Savides, inspirada no trabalho de Gordon Willis em “Todos os Homens do Presidente”, recria habilmente a atmosfera da época.
Escrito e dirigido por Tom McCarthy, “Spotlight – Segredos Revelados” (2015, Amazon) aborda uma unidade investigativa do jornal Boston Globe (a Spotlight) existente desde os anos 1970. Em 2001, um time de jornalistas da unidade é encarregado de investigar acusações contra um padre que teria molestado mais de 80 meninos. A direção discreta e técnica de Tom McCarthy, amparada pela fotografia sóbria de Masanobu Takayanagi, garante que as atuações não ultrapassem a verossimilhança jornalística. O filme mostra a importância do trabalho de equipe na profissão.
“Uma Repórter em Apuros” (2016, Amazon), dirigido por Glenn Ficarra e John Requa, com roteiro de Kim Barker, vai no espírito de “The Morning Show”, que apesar da essência dramática tem seus momentos cômicos. O filme narra a trajetória de Kim Baker (Tina Fey), que deixa um emprego relativamente cômodo em Nova York e aceita um trabalho de três meses como repórter no Afeganistão em 2003. A ideia é investir no humor ácido contando com o talento de Tina, que vai além do óbvio e encara momentos de fragilidade e coragem.
O jornalista Ben Bradlee, destaque de “Todos os Homens do Presidente”, volta à cena como coprotagonista de “The Post – A Guerra Secreta” (2017, Amazon), de Steven Spielberg, com roteiro de Liz Hannah e Josh Singer. Bradlee agora é vivido por Tom Hanks, que atua com carisma e firmeza. O editor-chefe atua como um contraponto vigoroso à hesitação inicial de Katharine Graham (Meryl Streep, em interpretação magnífica). Ela é a dona do jornal The Washington Post e tem de decidir se publica ou não documentos secretos do Pentágono em 1971, o que pode prejudicar não só o veículo como também seu próprio patrimônio.
Talvez o jornalismo já não tenha o vigor e a relevância do século XX nem as telas revelem tantos profissionais da informação em papéis heroicos. Mas sempre há um jornalista destemido em cartaz. “Cilada” (2025, Netflix), minissérie argentina criada por Ana Cohan e Miguel Cohan a partir de um dos bestsellers do estadunidense Harlan Coben, traz a jornalista Ema Garay (Soledad Villamil) como ponto de partida para a discussão sobre ética na mídia. O problema aí ultrapassa o erro individual ou a corrupção institucional, mas consiste na transformação estrutural de um ecossistema em que a lógica do digital dissolve as antigas referências morais da profissão: não é mais publicar ou segurar a notícia e sim o imperativo de publicar a qualquer preço, mesmo em prejuízo consciente da verdade. Essa abordagem aproxima “Cilada” de “The Morning Show”, que trata do entrelaçamento entre informação, escândalos institucionais e interesses empresariais. No entanto, a minissérie argentina denuncia algo mais corrosivo: a lógica do erro tornado espetáculo, o que destrói vidas para além da pauta.
O jornalismo tem mudado muito e velozmente assim como a produção audiovisual. De qualquer forma, consola perceber que filmes e séries continuem a discutir a crise da imprensa e a ética da informação. O heroísmo não é mais somente do repórter, mas sobretudo do público, que continua prestigiando essas obras questionadoras da missão jornalística.