A minissérie “Dias Perfeitos” (2025, Globoplay) consolida a trajetória de popularidade do escritor Raphael Montes no campo audiovisual brasileiro. Autor de livros bem-sucedidos como “Suicidas” (2012) e “Jantar Secreto” (2016), Montes, no romance e no roteiro, impõe sua marca autoral com suspense, tensão e ambiguidade moral. O programa, realizado a partir do livro homônimo de 2014, com direção de Joana Jabace e roteiro de Claudia Jouvin, Dennison Ramalho e Yuri Costa, leva adiante a atmosfera de mal estar da obra literária, num enredo de suspense e claustrofobia.
Téo (Jaffar Bambirra) e Clarice (Julia Dalavia) são os protagonistas de “Dias Perfeitos”. Pode-se falar neles como representações alegóricas de vida (ela) e morte (ele). Clarice, dionisíaca; Téo, apolíneo. Mas ele não é apenas isso. Trata-se de um psicopata que combina elementos de Norman Bates, personagem de Anthony Perkins no filme “Psicose” (1960, dirigido por Alfred Hitchcock), e de Annie Wilkes (Kathy Bates em “Louca Obsessão”, filme dirigido por Rob Reiner e lançado em 1990). Téo é assustador, embora dissimulado, como Norman, e mata com grande facilidade, como Annie.
Em termos internacionais, Montes pode ser comparado ao próprio estadunidense Stephen King, autor da obra “Misery”, que deu origem à película de Reiner, ou ao também estadunidense Harlan Coben, que frequentemente licencia suas histórias à Netflix, e não apenas pela temática. O brasileiro participa ativamente das adaptações de seus livros, como roteirista e produtor executivo, num esforço de controle na passagem do texto para as telas.
Retrospectivamente, a carreira audiovisual de Raphael Montes, 34 anos, segue bem valorizada pelo menos desde “Bom Dia, Verônica” (2020–2024, Netflix), escrita em parceria com Ilana Casoy, que uniu investigação policial e violência contra a mulher em três temporadas de intensa repercussão internacional. Montes também mergulhou no “true crime”, novamente ao lado de Casoy, nos filmes sobre o caso Richthofen (“A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”, 2021, seguidos por “A Confissão” em 2023 e por uma minissérie em 2024; lançamentos da Prime). Essa exploração de crimes reais, ao mesmo tempo em que lhe trouxe prestígio, também suscitou questões éticas quanto à pertinência de lucrar com a tragédia alheia sobretudo com sensacionalismo.
Ainda no cinema, Raphael Montes participou de projetos como “Praça Paris” (2018, Reserva Imovision), de Lúcia Murat, e “Uma Família Feliz” (2022, Telecine), suspense psicológico estrelado por Grazi Massafera, em que o autor transformou um roteiro original em livro — uma inversão interessante do processo adaptativo. Mas a grande sacada foi mesmo na televisão com “Beleza Fatal” (2025), a primeira novela da HBO Max no Brasil, que deu a Montes a chance de experimentar formatos novos ao inserir o melodrama em um registro mais sombrio. Resultado: extraordinário êxito e algumas críticas pelo excesso de estereótipos e pouca sutileza nas repetitivas tramas de vingança.
Se Camila Pitanga foi o grande destaque de “Beleza Fatal”, Julia Dalavia é o principal motivo para assistir a “Dias Perfeitos”. Essa atriz carioca de 27 anos, que já havia mostrado a que veio na novela “Órfãos da Terra” (2019, Globoplay), torna a personagem Clarice uma figura extremamente complexa, com uma alegria e um colorido comoventes. Dá vivacidade, como já foi dito antes, a uma série que talvez funcionasse pouco, sobretudo pela atuação algo robótica de seu coprotagonista.
A série “Dias Perfeitos” tem o mesmo título do filme “Perfect Days” (2023, Mubi), de Wim Wenders. Mas a idílica reflexão sobre o sentido da existência que caracteriza o filme realizado no Japão está muito longe do produto brasileiro. Por aqui, o buraco é mais embaixo, e justamente Clarice, aquela que ali simboliza beleza e frescor, acaba presa numa minúscula mala. Ver para crer. É desconcertante, quase cômico. Afinal, a vida está longe de ser perfeita.